Está causando grande repercussão uma declaração sobre inflação feita pelo vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), nesta segunda-feira (24/3). Alckmin defendeu retirar os preços de alimentos e energia do cálculo da inflação no Brasil. Segundo ele, a variação nos preços desses itens não deveria impactar na decisão sobre a taxa básica de juros, a Selic.
Nesta segunda, o vice-presidente afirmou que o cálculo deveria ser feito nos mesmos moldes do que ocorre nos Estados Unidos. “Eu mencionei o exemplo americano porque ele tira do cálculo da inflação alimento, porque alimento é muito clima. Se eu tenho uma seca muito forte, uma alteração climática muito grande, vai subir o preço de alimento, e não adianta eu aumentar os juros que não vai fazer chover”, defendeu o vice-presidente.
“E [os EUA] também tiram a energia, preço de barril de petróleo. Não adianta aumentar juros, que não vai baixar o barril do petróleo. Isso é guerra, é geopolítica. Então, eles [EUA] excluem do cálculo”, completou.
Não é a primeira vez que o vice-presidente defendeu isso — em dezembro de 2024 ele já havia dito que a taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic, deveria ser calculada sem inflação de alimentos e energia.
De acordo com Alckmin, é preciso “aumentar os juros naquilo que pode ter mais efetividade na redução da inflação”.
Críticas
A defesa dessa mudança no cálculo da inflação — que já foi alterado pelo menos duas vezes desde o Plano Real — repercute mal porque ela é vista nos bastidores como uma tentativa de abaixar a inflação “na marra”. Em fevereiro deste ano, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país, ficou em 1,31%, uma alta de 1,15 ponto percentual em relação a janeiro e a maior taxa para o mês em 22 anos.
Há quem diga que, antes de qualquer mudança, é necessário um amplo debate com especialistas e sociedade, e que isso não seja feito em um contexto de inflação alta e desancorada. Vale lembrar que o governo ainda não apresentou uma proposta oficial sobre o assunto.
A analista de valores mobiliários Bea Aguillar explica que os EUA usam o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês), que é a inflação cheia, e o núcleo da inflação (Core CPI), que exclui itens voláteis, como alimentos, energia, álcool e tabaco.
O banco central americano, o Fed, olha mais o núcleo para decidir os juros, pois acredita que seca e alguns outros fatores não se resolvem com juros. “Isso não quer dizer que o CPI não seja observado, mas o Fed faz essa separação para tomar suas decisões”, explica Aguillar.
Ela entende que o vice-presidente defendeu que Banco Central (BC) faça o mesmo no Brasil. “Não é uma sugestão para alterar o IPCA, mas sim, como o BC passaria a observar uma espécie de Core IPCA [núcleo da inflação] para a tomada de decisão. O cálculo do IPCA e os títulos de investimentos atrelados a ele, seguiriam da mesma forma”, completa ela.
Juros e inflação
No Brasil, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) aumentou, na última semana, a taxa básica de juros (Selic) em 1 ponto percentual, para 14,25% ao ano.
Trata-se do mais elevado patamar dos juros básicos no Brasil em 10 anos. A elevação dos juros é o principal instrumento dos bancos centrais para controlar a inflação.
De acordo com o Relatório Focus, divulgado nesta manhã, o IPCA deve terminar este ano em 5,65%, ante 5,66% projetados na semana passada.
Segundo o Conselho Monetário Nacional (CMN), a meta de inflação para este ano é de 3%. Como há um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, a meta será cumprida se ficar entre 1,5% e 4,5%. O mercado continua esperando, portanto, que a inflação estoure o teto da meta neste ano.
No acumulado de 12 meses até fevereiro, a inflação no país foi de 5,06%, ainda acima do teto da meta.