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Gaslighting médico: por que a dor das mulheres é levada menos a sério?

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Muitas mulheres saem de consultas médicas com a nítida sensação de que sua dor foi minimizada — ainda hoje, elas esperam mais tempo para serem atendidas e recebem menos medicamentos para dor do que os homens. O fenômeno, sustentado por estereótipos de gênero, compromete diagnósticos e tratamentos, colocando em risco a saúde feminina.

Um estudo publicado em 2024 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences revelou que os médicos tendem a subestimar a dor das mulheres. A pesquisa analisou mais de 20 mil notas de alta de pacientes atendidas em hospitais de emergência nos Estados Unidos e em Israel.

A análise revelou que, além de apresentarem uma menor probabilidade de terem a dor quantificada na escala de 0 a 10, as mulheres esperam, em média, 30 minutos a mais para serem consultadas e têm menos chance de receber medicamentos para dor, independente do gênero do profissional de saúde que as atende.

Para Marjorie Nogueira Chaves, coordenadora do Observatório da Saúde da População Negra da Universidade de Brasília (UnB), a tendência é explicada por estereótipos históricos que descredibilizam as queixas femininas.

“Durante séculos, as dores das mulheres foram atribuídas à histeria. Esse viés ainda persiste e faz com que profissionais interpretem a dor feminina de forma superficial ou errônea, o que compromete a qualidade do atendimento e o diagnóstico adequado”, explica Marjorie, que é pesquisadora na área de estudos feministas e de gênero com ênfase em direitos sexuais e justiça reprodutiva.

Além disso, há uma crença equivocada de que as mulheres suportam melhor a dor, o que contribui para a desvalorização de seus sintomas. “Se a mulher é capaz de suportar a dor do parto, ela também seria capaz de suportar as outras dores. Muitas vezes, acredita-se que ela pode aguentar mais, o que faz com que suas queixas sejam negligenciadas”, conta a pesquisadora de relações étnico-raciais e de gênero Kelly Quirino, professora da Universidade Católica de Brasília

Segundo a especialista, essa descredibilização pode vir até da própria família. “Muitas vezes, as mulheres precisam provar que estão sentindo dor para serem levadas a sério, seja pelos profissionais de saúde ou por pessoas próximas”, acrescenta. Esse viés de gênero pode atrasar a investigação de doenças e causar prolongamento do sofrimento.

Marjorie observa que condições como endometriose, fibromialgia e cólicas menstruais severas são frequentemente minimizadas, dificultando o diagnóstico e tratamento adequado.

“A endometriose é um exemplo claro, mas também vemos isso em cólicas menstruais, enxaquecas e dores musculares. Como muitas dessas dores estão ligadas ao ciclo reprodutivo, elas são normalizadas e subestimadas”, completa Kelly .

Impacto nos diagnósticos

Esse viés de gênero tem sérias consequências, especialmente na detecção de doenças graves. “Estudos mostram que o tempo médio entre o início dos sintomas e o diagnóstico da endometriose, por exemplo, pode variar de seis a 10 anos. Esse atraso compromete a qualidade de vida e pode levar a complicações como infertilidade”, lamenta Gláucia Maria Moraes de Oliveira, presidente do Departamento de Cardiologia da Mulher da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).

Na cardiologia, as mulheres frequentemente apresentam sintomas atípicos de infarto e outras condições, o que pode levar a diagnósticos tardios ou errôneos.

“Em vez da dor intensa no peito, mais comum nos homens, elas podem sentir um aperto ou pressão na região, além de cansaço excessivo, dor nas costas, falta de ar, náuseas e vômitos”, destaca Gláucia.

Esses sinais muitas vezes são confundidos com ansiedade ou problemas gástricos. “Devido à natureza atípica dos sintomas, as mulheres podem demorar mais para receber o atendimento adequado, o que aumenta o risco de complicações”, alerta a especialista.

Como as pacientes podem se posicionar?

Para garantir um atendimento adequado, Marjorie orienta que as mulheres descrevam a dor com precisão, relatando intensidade, frequência e impacto na rotina. “Buscar uma segunda opinião e insistir em encaminhamentos para especialistas também são passos importantes”, recomenda.

A ginecologista e obstetra Priscilla Frauches, da Clínica Mantelli, em São Paulo, ressalta a importância de documentar a frequência das crises. “Dor não é normal! Não devemos nos acomodar com um diagnóstico de normalidade. O famoso ‘está tudo bem’ nem sempre significa que a queixa foi devidamente investigada”, afirma.

Frauches também destaca que dores crônicas podem ter origem emocional, reforçando a necessidade de um atendimento humanizado e multidisciplinar. “É essencial que o médico avalie não apenas os sintomas físicos, mas também fatores emocionais que podem estar influenciando a dor”, completa a médica.

Outra estratégia recomendada pela especialista é manter um diário da dor, registrando quando ela ocorre, qual a intensidade e quais fatores podem estar relacionados ao incômodo. O histórico pode ajudar os profissionais de saúde a entender melhor o quadro clínico e propor um tratamento mais adequado.

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